Versão digital do jornal mural Papel de Parede - Universidade Estácio de Sá - Campus Rebouças

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Aos 25 Sem Janete

Por Lucas Alvares

No início, fazia-se rádio como se prepara uma mamadeira para um bebê. Os radialistas esquentavam a mistura, que provavam de cinco em cinco minutos para ver se era do agrado. Nunca descobriam a temperatura certa. Havia uma febre nacional por falar como César Ladeira, escrever como César Ladeira, lançar artistas como César Ladeira... depois, surgiu a necessidade de se aproveitar do caráter despertador do imaginário que o rádio começava a ganhar. Se antes se imaginava um rosto belo para o feio Ladeira, um público cada vez mais popular parava o que estivesse fazendo para ouvir histórias sem imagens, como se fossem índios em volta de uma fogueira. Alguns redatores adaptaram radionovelas estrangeiras com extrema competência. "O Direito de Nascer", por exemplo, fez o Brasil congelar seu pensamento na literatura cubana de Félix Caignet. Mesmo quando surgiram as primeiras tramas brasileiras, como "Jerônimo", de Moisés Weltman, a influência da temática e da estética do rádio estrangeiro foi predominante. Um verdadeiro contra-senso para o meio de comunicação que mais cantou a brasilidade. Ao contrário do jornal e das revistas - galicistas durante a sua popularização - e da televisão - filha das chanchadas, cópias mal feitas do que de pior havia em Holywood, com o que de bom havia no rádio - o meio radiofônico tornou-se essencialmente brasileiro tão logo se tornou popular. Faltavam as radionovelas. E Janete Clair, com habilidade ímpar, fez de anúncio no jornal um dos maiores sucessos da história do rádio no Brasil. "Vende-se um Véu de Noiva", texto recentemente comprado pelo SBT, foi um dos pioneiros na tentativa de se retratar a realidade e o pensamento do povo tupiniquim em um meio que a cada dia necessitava falar de forma mais íntima com seu povo. E foi assim, desta relação de intimidade, que a espantosa Janete teceu dezenas de tessituras. Novelou e desnovelou tramas, entrechos e centenas de personagens. Fez o país parar por muitos primeiros e últimos capítulos. E escreveu absurdamente. Janete era uma máquina de escrever. Ao nos deixar de forma ainda precoce, deixou um espaço que jamais foi preenchido: a de usineira de sonhos que falava a seu povo com a intimidade que só o rádio lhe ensinou, e com o domínio da estética da TV que somente uma boa telespectadora como ela poderia ter.

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